Eu sinto saudades de mim, do meu riso frouxo de quem só pensa em tomar sorvete e brincar na praça. Eu tenho tantas saudades de mim, da minha capacidade de perdoar, de amar, de cair e logo após mesmo com os joelhos ralados brincar todo o resto da manhã. Sinto saudades de quando eu jogava tudo pra cima e me escondia debaixo dos lençóis e assistia qualquer coisa na Tevê e me imaginava lá, como eram doces aquelas noites.
Eu tenho saudades de ser destemido, corajoso, de cruzar a rua com confiança. Eu nutro imensa saudade das minhas inconsequências que me machucaram, no entanto me deram boas estórias. Eu tenho saudades de mim e não posso negar. Saudades daquela fé cega que cria no fantástico sem titubear, sem olhar para trás.
Eu sinto uma imensa falta das guerras de travesseiro, dos jogos de bila, da minha primeira bicicleta. Saudades de mim e de meus amigos de férias que se iam todo fim de julho. Eu tenho tantas saudades da minha cara lambuzada de chocolate e de como eu não me preocupava em usar guardanapos ou talheres.
Eu tenho saudades da minha antiga casa e de como ela era cheia de mistérios para mim. Eu passava todas as tardes de um menino amiúde solitário tentando achar um tesouro escondido por detrás das paredes. Meu Deus! Quanta falta eu sinto da minha cidade! Minha terra primeira que insiste em me visitar todas as noites, trazendo a brisa de um vento amigo que nem sempre eu encontro cá.
Eu sinto saudades de mim, Tenho saudades de alguns sentimentos, de algumas pessoas que já não vejo, de alguns objetos. Se eu fechar os olhos, eu ainda posso ver, sentir e tocar todo este imenso pretérito da minha vida.
Eu sinto saudades do meu “Eu” menino que corria montado numa vassoura, portando um travesseiro e um cabide, lutando contra dragões e moinhos. Ai Dom Quixote pequenino, de olhos verdes e brilhantes que eu era! Devo confessar, não sem certa dor, Que sinto uma imensa falta de mim mesmo, falta de me conjugar sempre no presente, sempre no instante.
