domingo, 3 de junho de 2012

Sombras e Cortinas






Eu sei que as cortinas vão se fechar em algum momento. Eu tomei consciência do fim quando cheguei ao teatro após um dia cansativo, na infatigável esperança de que a arte de alguma maneira aliviasse o peso de todos estes livros, de todos estes anos, de todas estas dores.

 No momento em que cheguei e tomei meu assento, eu tinha a nítida consciência de que a atriz entraria e como num instante faria com que todas as minhas expectativas enfrentassem a realidade, e sendo realidade crua e tangível me abatia o espirito. Como um louco que acredita poder flutuar com a força da mente, eu tento fugir daquele assento, entrar naquela estória que lá esta sendo encenada esplendidamente e eu estou na plateia. Eu me reconheço no roteiro, nas falas, em cada movimento. Será que os artistas pensam em mais alguma coisa quando estão no palco?

Não adianta a iluminação, o cenário, as cenas comoventes. Eu sei que em algum instante, talvez daqui a minutos, as cortinas serão fechadas. A certeza do fim me arrasa mais que a certeza desta agonia, a qual eu sei que vai me acompanhar vida a fora. Não somos fulminados num instante mortal e dilacerante, nós somos destruídos aos poucos, perecendo em cada instante, somos forçados a ver todo o percurso que nos leva ao precipício.

Você deve supor que como poeta eu devesse cantar para o abismo, e que eu devesse levar meus relicários e dançar como quem pratica algum rito tribal para o abismo. E pedir que ele me consuma e me faça poeira cósmica! Não, eu não quero os badulaques da metafísica, não me peçam para mendigar emoções e conforto. Eu quero é olhar o abismo com um olhar de despudor e afronta, e como quem monta em cavalo selvagem, galopar em seu dorso vida adentro.

No clímax da peça eu vibro e sinto um arrepio lancinante. Eu olho para os lados e sinto o alivio de saber que no breu do teatro ninguém perceberá que estou vulnerável, mas não é a vulnerabilidade das donzelas apaixonadas, nem dos trovadores e seus amores perdidos. Estou vulnerável como um leopardo ferido que encara com ferocidade tudo e todos.

As cortinas certamente fecharão, quando o último ato ameaça terminar, arregalo os olhos para que vejam que até no ultimo momento resisti.