Eu
sei que as cortinas vão se fechar em algum momento. Eu tomei consciência do fim
quando cheguei ao teatro após um dia cansativo, na infatigável esperança de que
a arte de alguma maneira aliviasse o peso de todos estes livros, de todos estes
anos, de todas estas dores.
No
momento em que cheguei e tomei meu assento, eu tinha a nítida consciência de
que a atriz entraria e como num instante faria com que todas as minhas expectativas
enfrentassem a realidade, e sendo realidade crua e tangível me abatia o
espirito. Como um louco que acredita poder flutuar com a força da mente, eu
tento fugir daquele assento, entrar naquela estória que lá esta sendo encenada
esplendidamente e eu estou na plateia. Eu me reconheço no roteiro, nas falas,
em cada movimento. Será que os artistas pensam em mais alguma coisa quando
estão no palco?
Não
adianta a iluminação, o cenário, as cenas comoventes. Eu sei que em algum
instante, talvez daqui a minutos, as cortinas serão fechadas. A certeza do fim me
arrasa mais que a certeza desta agonia, a qual eu sei que vai me acompanhar
vida a fora. Não somos fulminados num instante mortal e dilacerante, nós somos
destruídos aos poucos, perecendo em cada instante, somos forçados a ver todo o
percurso que nos leva ao precipício.
Você
deve supor que como poeta eu devesse cantar para o abismo, e que eu devesse
levar meus relicários e dançar como quem pratica algum rito tribal para o
abismo. E pedir que ele me consuma e me faça poeira cósmica! Não, eu não quero
os badulaques da metafísica, não me peçam para mendigar emoções e conforto. Eu
quero é olhar o abismo com um olhar de despudor e afronta, e como quem monta em
cavalo selvagem, galopar em seu dorso vida adentro.
No
clímax da peça eu vibro e sinto um arrepio lancinante. Eu olho para os lados e
sinto o alivio de saber que no breu do teatro ninguém perceberá que estou
vulnerável, mas não é a vulnerabilidade das donzelas apaixonadas, nem dos
trovadores e seus amores perdidos. Estou vulnerável como um leopardo ferido que
encara com ferocidade tudo e todos.
As
cortinas certamente fecharão, quando o último ato ameaça terminar, arregalo os
olhos para que vejam que até no ultimo momento resisti.