sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Convite







Estava sobre a cabeceira da cama. Um envelope grande, vermelho e com uma fita branca lacrando o conteúdo. Talvez por preguiça ou mesmo cansaço, Clarice tenha preferido tomar um banho antes de se deitar e ver o conteúdo do envelope. O banho foi restaurador, seu dia tinha sido cheio de tarefas e preocupações. Com a água lavando seu corpo, ela sentiu essa fascinante sensação de purificação.

“Um baile de máscaras? Amanhã à noite?”. Aquele convite não poderia ter vindo em pior momento. Ela não tinha roupa, não tinha tempo para arrumar o cabelo, não tinha ânimo. “Eu não sou criativa, não adianta!”. Ela não teria sequer cogitado ir à casa do prefeito para uma festa de pessoas esnobes, fingidas e enfadonhas. “Que escolha eu tenho? Se eu perder esse emprego, essa derrota vai entrar para a minha vasta lista de fracassos!”. Ela iria ao baile, esta inarredável certeza abalou-lhe o humor, arruinou sua noite de descanso.

Ela sentiu-se imensamente confortável com aquela máscara. Estava escondida, ninguém poderia ver suas rugas nem a dor de viver que pesava em seu rosto. Quando se é criança, houve-se muito sobre a vida, contam-nos muitas historias sobre viver. Mas ninguém disse a ela que viver dói, às vezes doía tanto que parecia que ela ia morrer. Mas não, ela continuava viva, uma morta-viva, mas que era obrigada a viver sem esperança, sem nada. Aliás, com alguma esperança sim, era difícil reconhecer, mas o simples ato de respirar é uma prova de que se tem esperança, no entanto esperança em que? Esperança que alguém goste dela sem essa máscara, esperança que alguém veja além desse rosto, dessa superfície. O rosto nada mais é que uma máscara feita de carne e sangue.

Ela estava numa mesa que quase ficava escondida por uma macieira antiga. “Ótimo! Assim eu consigo ficar definitivamente invisível”. De onde ela estava, colocou-se a observar os convidados. Todos estavam tão pálidos, seus gestos eram todos calculados, fingidos. Quanto mais ela observava, conseguia perceber como aquelas pessoas pareciam bonecos gigantes. “Não vou sobreviver a isto sóbria!”, pensou. Levantou-se rapidamente para alcançar o garçom que passava com uma bandeja repleta de taças com espumante francês.

Ela já podia sentir o efeito do espumante em seu corpo, já estava na hora de pedir um taxi e voltar para casa. Clarice sabia que não podia exagerar na bebida, quando o fazia perdia a compostura por completo.

- A senhorita poderia dar-me o prazer desta dança?

- Não desculpe, já estou de saída!

Ela não sabia o exato motivo, mas ela sempre fazia isso. Nunca permitia que alguém se aproximasse. Porém, mesmo com todas as possibilidades de fracassar, desta vez se ele insistisse mais um pouco ela aceitaria.

- Por favor! Estão tocando o Danúbio Azul, você não gosta?

- Está bem, mas só desta vez!

Então, isso é o que as pessoas chamam de o inesperado? Um estranho que lhe parecia tão familiar, um estranho que lhe roubava todas as atenções. Mas, por quê? Ele era como todos os outros ali. A mesma máscara que praticamente todos os homens estavam usando na festa, o mesmo copo de champanha, o mesmo corte de cabelo. Todavia tinha alguma coisa naquele olhar, naqueles olhos castanhos, alguma coisa de feitiçaria no seu mover.  Que força louca e poderosa a arrastava até ele? Que engrenagem misteriosa fazia seus pés dançarem quase que flutuando para se aproximarem daquele corpo? Sua cabeça estava rodando, era uma sensação nova. Resolveu entregar-se ao que estava sentindo.  De súbito, os rostos paralisaram. A orquestra parou para ouvir a noite, para ouvir o murmurar do vento, dos corações.  

Pela primeira vez em sua vida, Clarice dançou uma valsa inteira sem medo de cair ou tropeçar.  Tudo o que ela sentiu foi sua respiração parar por alguns instantes. Sentiu sua boca numa outra boca, sua pele acariciando outra pele. Ela sentiu a sua vida misturando-se a outra vida.


Carinhosamente,

Nenhum comentário:

Postar um comentário